Braima Dabó: Um coração de ouro, uma lição de vida
- Enfoque
- 27 de dez. de 2019
- 4 min de leitura
Braima Suncar Dabó, atleta Guineense de 26 anos. Brindou o mundo com um ato de solidariedade nos Mundiais do Atletismo em Doha. Estuda em Bragança e treina no Porto. É tímido e não gosta de ser o centro das atenções. Faz um excelente Bacalhau à Brás com batatas sem ser do pacote. Olha para aquilo que fez como algo normal do seu dia a dia.

Braima Suncar Dabó é o Guineense mais conhecido do momento. Tem 26 anos e participou no Campeonato de Atletismo em Doha, no Qatar, onde brindou o mundo com um ato de solidariedade. Mas quem é verdadeiramente Braima Dabó?
Foi na região de Catió, na Guiné-Bissau, que Braima nasceu e cresceu até completar os seus 18 anos, idade com que veio para Portugal para estudar e adquirir novos conhecimentos. Para trás ficaram os amigos, os pais, a família, os passeios pelas ruas de terra batida que caracterizam a região, e as saídas à noite com os amigos para verem as estrelas.
Braima lembra-se do dia exato em que veio para Portugal, 26 de setembro de 2011, há oito anos atrás. À sua espera estavam três anos desafiantes, longe da sua terra Natal. Veio preparado para frequentar o ensino secundário na Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Carvalhais, na região de Mirandela, mas acabou por surgir a oportunidade de ficar por terras Lusitanas durante mais tempo e ingressar na licenciatura em Gestão, no Instituto Politécnico de Bragança.
Por cá recebeu o apoio dos seus “pais adotivos”, ganhou um “padrinho” e uma “madrinha”, amigos, uma nova família e um novo lar. Braima admite que a mudança e a adaptação foram difíceis e refere que o mais complicado foi mesmo o clima e a sopa, algo que não era habitual na sua vida.
Foi também em Portugal, nas aulas de Educação Física, que Braima descobriu a sua paixão pelo atletismo, “na Guiné tinha aulas de educação física ,mas como eu morava longe da escola, acabava por ser sempre dispensado dessas aulas”, explicou o atleta ao Enfoque, acrescentando que em Portugal começou a participar em corta-matos escolares.
O convite surgiu para representar o seu país, a Guiné-Bissau, nos Mundiais de Atletismo e partiu sozinho para Doha, no Qatar. Foi aí que Braima se tornou conhecido por todo o mundo, por ter ajudado o rival Jonathan Busby a completar a prova. Este ato de solidariedade mereceu a atenção de todos e Braima partilhou com o Enfoque o que sentiu naquele momento: “Na minha última volta, que também era a última dele, tocou a campainha final e eu já o estava a ver. Aos 300 metros vi que ele não estava a ter uma postura correta e quando o alcancei decidi agarrá-lo e só lhe disse “vamos embora” e viemos juntos e terminamos a prova.”.
Braima estava prestes a bater o seu recorde pessoal quando viu Jonathan mas acredita que não perdeu nem desistiu de nada, tem a certeza que esta era a única ação que ele tinha de fazer no momento, “o meu recorde pessoal eu vou continuar a trabalhar nele, qualquer dia que tiver de ser, vai ser, portanto... Não senti ter perdido nada naquele momento. Aliás, acho que ficaria mal depois se não tivesse feito aquela ação...ia sentir-me muito mal...porque não tinha ajudado aquela pessoa que tinha o mesmo sonho que eu tinha, de cruzar a meta.”. Acrescentou ainda que “voltava a fazer exatamente a mesma coisa, porque se não fizer, já não estava a ser o Braima”.
Os familiares e amigos do guineense não ficaram surpreendidos com o ato mas sim orgulhosos. No entanto, Braima não estava à espera de todo o mediatismo e explicou que para ele, esta foi a ação mais normal e que tem a certeza que, qualquer pessoa no lugar dele faria a mesma coisa, “uma coisa é tu planeares algo e depois ficares à espera que isso tenha um impacto, outra é, por exemplo, tu foste ali ao contentor do lixo, levaste o lixo, chegaste lá, viste uns sacos no chão, então pegaste nesses sacos e puseste no ecoponto. Para ti, isto era uma coisa super normal, porque estava ali ao lado e tu pegaste e puseste no contentor, para mim foi exatamente isso, uma coisa super normal”.

Braima ficou confuso e baralhado com tanto mediatismo e admite que ser o centro das atenções não é a sua “praia”. Partilhou ainda com o Enfoque, com um sorriso nos lábios, que “no dia seguinte à prova pensei que esta atenção toda iria acalmar, que ira tudo acabar, mas enfim...cá estamos hoje”. No entanto, ao fim de tantos meses, percebeu que “se esse ato acabou por ser falado por tudo o mundo, talvez eu esteja errado e se calhar é mesmo preciso ser falado para ser praticado mais vezes, olharmos mais para o lado, porque só assim é que conseguimos melhorar qualquer coisa.”.
Uns meses depois dos Mundiais de Doha, Braima foi distinguido com o Prémio de Fair Play na gala da World Athletics, Federação Internacional de Atletismo, no Mónaco e refere-se ao mesmo como “uma forma de reconhecimento e incentivo para continuar a trabalhar”.
Braima vai regressar ao seu país em dezembro para visitar a família e os amigos que não vê há já oito anos. Recorda-os com saudade, com um sorriso nos lábios e os olhos a brilhar, mas fala de Portugal como também sua casa “tenho aqui uma segunda casa, por isso, não importa para onde eu for que nunca vou fechar esta porta que tenho aqui”.
ONGD Na Rota dos Povos

Na Rota dos Povos é uma Organização Sem Fins Lucrativos que trabalha voluntariamente na região de Catió, Guiné-Bissau. Até ao momento já equipou 49 escolas de Tombali com materiais antigos de escolas Portuguesas; construíram a “Casa da Mamé Ussai”, uma casa de acolhimento para crianças; e criaram a “Tabanca dos Pequenitos”, projeto educativo destinado a crianças dos 4 aos 5 anos de idade, que potencie o seu desenvolvimento individual integrado, num sistema de ensino adaptado ao contexto em que vivem.
O lema desta ONG é “A Educação é o único caminho” e por isso, juntamente com Braima vieram mais 14 jovens estudar para Portugal, com o objetivo de adquirirem conhecimentos e executá-los no seu país, de forma a poderem contribuir para o seu desenvolvimento.
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