CLARA DE SOUSA:"O valor do tempo é muito importante na vida, no trabalho, em tudo o que nós fazemos"
- Enfoque
- 16 de jan. de 2020
- 18 min de leitura

ENFOQUE: Conte-nos um bocadinho como foi a sua infância
CLARA DE SOUSA: Foi uma infância perfeitamente normal, uma infância super feliz. Nasci no seio de uma família média-baixa. A minha mãe era cozinheira, o meu pai era “pica” da CP, antes de ser bancário. Cresci com muita alegria, era uma miúda super mexida super curiosa, desde muito pequenina. Comecei a andar muito cedo, comecei a andar com nove meses. Precisava de me mexer para conhecer o mundo, queria conhecer o tudo. Portanto já devia ser uma vontade minha (riso) de conhecer o mundo à minha volta. E...só tenho memórias boas da minha infância na verdade. Da família, dos vizinhos… eu era tratada com imenso carinho. Cresci e nasci aqui, sempre na linha de Cascais; primeiro no bairro alentejano, na Parede, depois em Tires e agora estou em Cascais.
Nunca tive nenhum tipo de limitações, os meus pais deixavam-me, davam-me toda a liberdade para estar a fazer as coisas que eu gostava- Tinha as minhas obrigações, claro! E estudei ali também, estudei na escola da parede, na torre da aguilha, depois do liceu no São João do Estoril, tirei línguas e literaturas modernas na faculdade de letras da universidade Clássica de Lisboa, português-Inglês, para ser professora de português ou de inglês. Mas a vida deu-me, trinta volta e comecei a fazer rádio meses depois de começar na faculdade e depois, portanto, comecei logo a gostar muito mais de fazer rádio e terminei o meu curso mas nunca fui dar aulas. Quer dizer fui, mas não como...não tirei os dois anos de formação para professora.
Então esse sempre foi o seu sonho desde criança ser professora?
Não, não era nada!
Então o que é que ambicionava ser?
Eu acho que as crianças têm milhares de sonhos, cabem lá milhares de coisas.
Eu penso que a questão de ser professora foi uma coisa que calhou porque eu gostava muito de letras e era muito dada à comunicação! Algo já inato em mim, não é?! Em humanísticas parecia-me ser o mais correto, o mais indicado para mim que era aquilo que eu gostava. Eu queria ser o que todas as crianças querem ser! Queria ser cabeleireira, queria ser atriz, queria ser cantora. Depois houve uma fase ali, na definição da escolha no secundário, em que eu quis muito ser guia turística. Para quê? Para falar Inglês, não é? Porque na altura Portugal não é o que é hoje, havia muito pouco. E depois acabei por pensar, não então agora vou para a faculdade mesmo é para ser professora que assim posso continuar a transmitir aquilo de que gosto. Mas a rádio surgiu e chamou-me para este lado e eu não tenho pena nenhuma de, antes pelo contrário, não é?!
Acabou por tirar uma especialização nessa área uma vez que entrou para a rádio?
Não. A minha especialização é a minha experiência. Não tenho qualquer tipo de especialização, nunca tirei nenhum curso. Há muitas coisas que os cursos nos podem ensinar sem dúvida em termo da técnica e tudo mais. Mas nós a partir do momento em que estamos na profissão e também seguimos o que os outros fazem, que nos identificamos mais ou menos e percebemos quem é que faz bem ou quem é que faz mal, depois também podemos desenvolver as nossas capacidades. Mas eu acho que é também algo que tem de estar lá e depois pode ser trabalhado, obviamente. E mais não seja se não for por aprendizagem por aí é aprendizagem do tempo. O tempo é o grande modelador para assim dizer. O tempo é o que vai formar um profissional mais seguro, um profissional mais...hum...mais focado, mais maduro, mais adulto. Vivemos num mundo em que é tudo urgente, é tudo para ontem, é tudo muito rápido. Esta história das pessoas estarem ligadas e este imediatismo que existe faz com que haja essa noção ainda mais urgente e as coisas não são assim. As coisas não são assim, porque estar a construir heróis com pés de barro é a coisa mais fácil e depois eles caem e nunca mais se levantam. E, portanto, eu digo sempre “atenção ao tempo”. É como em tudo, o valor do tempo é muito importante na vida, no trabalho, em tudo o que nós fazemos! O tempo, a ponderação, a maturação, até nas próprias ideias.
Como é que surgiu a rádio na sua vida?
A rádio surgiu dum convite de um vizinho meu. Estávamos na fase dos anos 80, em que estavam a nascer as rádios piratas e ele perguntou-me só se eu queria fazer rádio. Portanto se ele não me tivesse feito aquela pergunta eu hoje não estava aqui. E eu fiquei assim, “rádio? mas porquê rádio? Nunca fiz rádio! Eu comecei a fazer rádio a colocar música, num gira discos, num barracão na Parede e aquilo depois foi crescendo e depois fechou. Depois fui para outra que foi a Rádio Marginal já legalizada. E pronto e aqui estou. E depois estava na rádio quando me foram chamar para fazer testes na TVI, depois estava na TVI quando me chamaram...Na verdade nunca fui eu que procurei foi sempre, (hesita) vieram sempre ter comigo. Estava na TVI quando o Quim Furtado pediu à secretária para me ligar porque queria falar comigo, foi depois quando fui para a RTP e estava na RTP quando o Nuno Santos e o Emídio Rangel pediram para almoçar comigo e me convidaram para arrancar a SIC Notícias. Foi basicamente esta a minha vida é esta. E naquele momento custou-me, custou-me porque eu ligo-me muito às pessoas e aos sítios, temos que ser pragmáticos e temos de saber avançar para evoluir, obviamente.
Mas ainda mesmo antes de ir para a TVI, teve uma primeira experiência na televisão na RTP.
Sim, também sim, também estava sossegadinha na rádio (risos) e tinha um colega meu que estava ligado a pessoas da RTP e que estava à procura de um pivot para substituir, salvo erro, o Pedro Mourinho, que ele é que fez a primeira temporada do “Éh Desporto”. Durante aquele verão, 90 ou 91, acho que foi 90, fiz 4 meses no Éh Desporto, a andar pelo país a fazer reportagens, a fazer apresentação. Basicamente o programa eu fazia várias coisas além de ser pivot do programa, também fazia reportagens e só me dedicava ao desporto, desportos um bocadinho mais radicais, muito giro, gostei imenso, foi uma excelente experiência. Mas foi assim o início de uma coisa diferente do que é hoje. Assim mais a sério como é hoje, foi quando me convidaram para ir para a TVI e me colocaram à frente de uma câmara para ver como é que eu era em termos de direto e de improviso e disseram para eu falar durante um minuto e meio e eu pensei “vou falar sobre o quê?”, e na hora estas decisões têm de ser tomadas, estas sim têm de ser tomadas rapidamente. E tomei uma decisão. Estive a falar durante um minuto e meio eles gostaram imenso. E eu fui para pivot, obviamente mantendo a reportagem, porque eu era pivot ao fim de semana e durante a semana fazia reportagem, porque era naquilo que eu também gostava de fazer. E foi assim que depois eu indo para o noticiário de fim de semana fui o primeiro rosto da TVI, porque a TVI começou no fim de semana não começou num dia da semana.
Esteve mais anos na RTP do que na TVI?
Não. Eu estive 4 anos na TVI e estive 3 anos na RTP. Estou desde 2000 na SIC.
Estrear como pivot na TVI já deixa uma marca
Sim, deixa uma marca como quem diz. A TVI de então não era a TVI de hoje. Era uma TVI muito diferente. Mas foi certamente uma excelente casa para começar, tinha bons profissionais à minha volta.
Como é que é ser a única pivot mulher a ter apresentado o jornal nas 3 estações generalistas portuguesas?
Neste momento acho que ainda continuo. Não é nada de especial nesse aspeto. Não é uma coisa que eu pense sequer. Acho simpático, acho que enriquece-me no sentido em que estive em três projetos diferentes, sendo que a TVI de então já não existe há muito tempo e acho que só enriquece o meu percurso. Trabalhar em espaços diferentes com métodos de trabalhos diferentes, com colegas diferentes, exigências diferentes. São desafios que nós temos de estar preparados para responder a eles e se nós aceitarmos é porque nos sentimos à altura e eu sentia que, para evoluir, tinha de avançar por muito que me custasse a componente humana.
Fez referência às pessoas que encontrou na TVI e nas pessoas da SIC com quem fez amizades. Há alguma figura pública com quem trabalhou e que a marcou? E Porquê que a marcou?
Eu tive várias pessoas,não tive só uma!
Tive logo o Padre Rego na TVI, foi o primeiro a acolher-me e foi o primeiro que me recebeu.
Na RTP sem dúvida o Joaquim Furtado foi a pessoa que mais me marcou. E a nível positivo aqui na SIC, o Emídio Rangel desde logo, o Nuno Santos, as duas pessoas que me trouxeram. Cada um com a sua energia, mas todos com uma energia transformadora e criativa. O arranque da SIC Notícias foi o projeto para mim; um sonho tornado realidade.
Quando recebeu o convite para vir para a SIC, aceitou logo o convite sem hesitar?
Sim aceitei! Aceitei por uma razão muito simples a direção de então da RTP, tinha decidido assassinar-me profissionalmente. E então eu não estava lá a fazer nada, a não ser, cada dia que passava, que eu estava na RTP, eu estava a morrer profissionalmente. E portanto, essa foi a decisão mais fácil da vida, sair da RTP, Graças a Deus, e ir para a SIC. Mais difícil foi a saída da TVI para a RTP, isso sim! Sem dúvida!
Neste momento sente-se realizada? Está onde quer estar?
Claro que sim! A SIC, apesar de tudo, estamos numa fase bastante boa. Nós estivemos muitos anos em que deixamos de ser líderes, mas nunca perdemos o entusiasmo de saber que a marca SIC, nomeadamente a marca da informação, é uma marca muito forte, uma marca de grande credibilidade e neste momento estamos de novo líderes. Mas não é por causa disso, que vamos “dormir na forma”, como se costuma dizer. Estar aqui é estar onde eu mais me identifico. Porque os valores que a SIC tem, os valores de independência, de liberdade, de autonomia total do jornalista, de responsabilização do jornalista pelo seu trabalho, não há ninguém que nos venha dizer como é que a gente deve fazer ou não deve fazer, não há cá influências paralelas. Neste edifício temos o privilégio de estar aqui a partilhar a redação com o expresso também, que são jornalistas de referência, fantásticos. Eu acho que, não há de facto, melhor sítio para estar em Portugal numa redação, em televisão do que na SIC. SIC, SIC Notícias.
Já é pivot há bastantes anos.
Eu estou como pivot há bastante tempo, mas sou jornalista.
Nota alguma diferença no que é ser pivot há uns anos atrás e o que é ser pivot nos dias de hoje?
Em mim na forma como evoluí enquanto pivot, acho que sim claro. Então eu comecei tão nova, obviamente que mal seria se eu hoje não tivesse uma postura, uma postura diferente, uma postura dos meus 52 anos da confiança que eu tenho de quase 30 de profissão. Mas digamos que eu hoje estou menos preocupada com algumas coisas que tinha, que me ocupavam quando era mais nova. Nós quando somos novos e estamos nesta profissão, temos aquele peso permanente de não falhar. Mas de parecermos mais velhos do que aquilo que somos, de ficarmos muito sérios, isso pesa de facto. E pesou durante algum tempo. Aliás as pessoas diziam que eu era antipática. Eu acho que é uma forma de proteção nossa para nos afirmarmos, para nos credibilizar. Eu hoje em dia já não, hoje em dia posso estar à vontade. O que as pessoas exigem de nós é que comuniquemos bem com elas, que entendam! Para mim é fundamental falar um português que seja suficientemente para informar. Portanto, comunicar de forma simples, fluída e que as pessoas entendam. É essa a função de um pivot, fazer um resumo das peças que vão a seguir com a máxima clareza para quem está do lado de lá e do lado de lá estão milhares de pessoas cada uma é diferente e eu quero que a maioria consiga entender o que eu digo. Portanto, a função é a mesma, depois há pessoas que têm estilos diferentes, que têm posturas diferentes, mas isso aí é a identidade de cada um. A minha neste momento é esta e tenho a dizer que gosto mais da pivot que sou hoje do que aquela que era há 25 anos sem dúvida (sorri).

Perante o mediatismo que a sua profissão lhe traz é um ser humano normal.
Sim! Mais de metade da minha vida vivi com ele. É perfeitamente normal. Não sei como é que será no dia em que deixar de ser, não faço ideia, também não estou muito preocupada! Eu também não saio muito de casa (ri), eu sou um bocadinho bicho do mato, fico muito ocupada a fazer muitas coisas em casa. Mas não é uma coisa que me preocupe! Eu para já não estou a pensar reformar-me, não é?! Acho que ainda estou em condições de fazer o que estou a fazer(ri). Enquanto tiver uma boa memória, enquanto continuar a sentir que estou, intelectualmente, capaz, tudo bem. Portanto, sim isso para mim é uma coisa que não me incomoda particularmente. Em Portugal as pessoas não são intrusivas quando nós saímos à rua, não são muito intrusivas. Até porque há aqui uma barreira, comigo essa barreira é um bocadinho menor porque eu acho que esta parte minha dos meus hobbies, da cozinha, bricolage, acabou por amenizar um bocadinho e criar essa proximidade maior. Mas mesmo assim, as pessoas ainda olham para mim como jornalista.
E em frente às câmaras, quando tem aqueles dias menos bons como é que a Clara faz?
Eu nos dias menos bons, esqueço que estou nos dias menos bons. Eu estava a apresentar noticiários três dias depois da minha mãe morrer, portanto... Há alturas em que os altos e baixos das nossas vidas não têm que entrar na nossa profissão. Se não sentirmos que estamos em condições pedimos dois ou três dias para estar em casa, a chorar a resolver o assunto de outra maneira, a arejar a cabeça, a tirar umas férias longe para limpar. Quando sentimos que estamos preparados e estamos preparados, temos que estar preparados. E aí sim, temos que aprender a criar as nossas defesas e a focarmos naquilo que é importante no momento. O trabalho ajuda-me muito a seguir em frente. E tem sido ótimo enfrentar-me nesses momentos e revelar-me a mim própria a força que eu tenho para me superar. Até alguns maus momentos foram bons para mim, para me fazer sentir mais forte ou para ter a certeza que de facto conseguia superá-los e consegui, claro! Todos conseguimos, a verdade é que todos conseguimos basta querermos também.
Durante o seu percurso houve alguma notícia ou algum tema que a marcasse, pelo lado negativo ou positivo? Ou seja, que tenha sido mais difícil de transmitir ou que tenha sido mais fácil?
Houve muitas, houve muitas. (Sorri). Não é assim muito difícil de responder, lembro-me de algumas que de facto eram complicadas. Quando foi o desaparecimento da Madeleine McCann, por exemplo, foi um processo bastante complicado que mexeu com todos. O caso, por exemplo, nós arrancamos com a SIC notícias no dia 8 de janeiro e no dia 4 de março cai a ponte entre os rios. Foi o primeiro grande “baque” a sério. Esse marcou-me bastante. Marcou bastante e marcou-me sobretudo uma entrevista a uma mãe cerca de 3 / 4 meses depois de aquilo acontecer, uma mãe, uma senhora que percebia-se, coitadinha, velhinha, analfabeta, perdida, desorientada, cujo filho estava atrás de um autocarro, caiu e nunca apareceu. Só apareceu o carro, não apareceu o filho. E lembro-me que foi das poucas vezes em que chorei e que tive que limpar as lágrimas a correr. A nível local, a mim um dos primeiros grandes trabalhos que me marcou foi o grande incêndio dos oitavos, em Cascais. No final dos anos 80, eu estava na rádio e foi um momento que me marcou muito também, porque eu estive lá com os bombeiros e percebi o que era estar a atacar um fogo e a dificuldade que era. Depois pela positiva, os casamentos reais que eu fiz e outras situações assim. Mas nós temos tendências para nos lembrarmos daquilo que nos marca mais pela negativa, acho que é o que a gente guarda, eu pelo menos são esses que eu guardo e eram estes sobretudo.
Tem saudades de fazer reportagens, de estar no terreno?
Eu não sei porquê que fazem sempre essa pergunta! (ri)
Claro que tenho! Obviamente que tenho e sempre que posso ir vou. O problema não é esse. O problema é: onde é que a minha direção me quer? Onde é que acha que eu sou mais importante? Onde é que eu marco mais a diferença para o público que nos vê? É a fazer o noticiário?! Então é lá que eu estou. E depois a questão é, depois o que é que eu vou fazer na outra semana? Vou fazer a reportagem do dia a dia? Ou vou fazer sempre quando há algum evento mais importante, como foi os casamentos, como foi os especiais que nós vamos fazer. É obviamente para aí que eu acabo por ir.
Enquanto jornalista, todos os dias são um desafio?
Todos os dias. Eu não sei o que é que vai acontecer logo. E há sempre aquela cena “há está escrito”. Há muita coisa que está escrita mas também há muita coisa que falha, muita coisa que não está escrita. Há coisas de última hora que não estão escritas. Portanto, eu não sei o que é que vai acontecer a partir das oito da noite de hoje e tenho que estar preparada para isso. Tenho que estar preparada para estar a falar sobre algo que está a acontecer, do qual eu tenho muitos poucos dados e comunicar da melhor maneira. Mesmo quando apresento o telejornal, eu como não vi ainda, não vejo antes as peças, só as posso ver no jornal. Portanto, eu estou ali na posição de pivot e depois também de telespectadora, depois estou a acompanhar os trabalhos deles e para mim é sempre…(riso). Não, não me canso da minha profissão, isso não! De maneira nenhuma.
Qual foi o maior desafio da Clara, no mundo do jornalismo?
O meu maior desafio... algumas entrevistas que eu fiz, que foram...difíceis. Eu já tive vários depois disso, mas lá está. O primeiro é sempre aquele (desafio) que fica e nunca mais me vou esquecer. Eu já tinha feito muitos debates, mas este foi aquele que eu eu percebi claramente que estava tudo de olhos postos naquele debate e estava! Foi o grande debate das legislativas de 2009 entre o José Sócrates e a Manuela Ferreira Leite. E eu nunca vou esquecer o quão nervosa estava no início desse debate, como me preparei para esse debate de forma doentia, o que me exigiu em termos anímicos, físicos, mentais, tudo!
Se me derem dias, eu estou dias a estudar para ir o mais bem preparada possível. Eu sou doentia a estudar! Portanto, eu enquanto não sinto que não estou mesmo totalmente preparada, seja nisto, seja em trabalhos que faça de eventos científicos e tudo mais, eu tenho de estar doentiamente, eu preparo-me doentiamente, eu tenho de estar mesmo muito bem preparada. Há situações em que me dizem “logo vem aí não sei quem” e eu aí fico uma pilha de nervos porque odeio que me dêem coisas em cima da hora, mas às vezes acontece! E mesmo aí, depois aí também vale a experiência, vale a forma como nós sabemos lidar com esses imprevistos e com esse tipo de entrevistas que não tivemos tanto tempo para nos preparar. E nesse aspeto é muito exigente. Portanto se é para vir para o jornalismo e não ter resiliência, capacidade de estudo, dedicação, tempo, então não vale a pena, vão fazer outra coisa qualquer. Quer entrar às nove e sair às cinco, esqueçam o jornalismo não é para eles.
Para além do jornalismo tem outras paixões, já publicou três livros de culinária. Como é que surgiu essa paixão, foi alguém que lhe transmitiu?
Não, não é propriamente surgir. Foi uma coisa que foi nascendo, foi crescendo, melhor dizendo, à medida que eu tive que, desde pequenina, começar a fazer as coisas. Eu não gosto de coisas impostas, quando me impõem alguma coisa eu tenho que transformá-la em algo que eu goste de fazer, porque para a fazer bem eu tenho que gostar de a fazer. E portanto, lá estou eu, na minha capacidade transformadora, de encarar aquilo de uma maneira de ver o que é que eu podia tirar daquilo. E foi isso que aconteceu, com o tempo, eu comecei a gostar. Comecei a gostar, comecei a ter prazer em fazer, comecei a fazer mesmo que não me pedissem para fazer. Portanto é algo que está em mim desde muito criança e que gosto bastante. Adoro a cozinha, porque eu acho que a cozinha é uma representação da vida. Primeiro, porque acho que a cozinha é o coração da casa, de facto, é onde eu passo mais tempo. E a cozinha é organização, a cozinha é método, a cozinha é criatividade, a cozinha é tomar opções. Portanto, a cozinha é uma representação da nossa vida no geral também.
Fico muito feliz quando as pessoas dizem que nunca souberam cozinhar e que agora está-lhes a sair tudo maravilhosamente (sorri).
Qual é a especialidade da Clara? Se fossemos lá a casa o que é que nos serviria?
O que quiserem! Pode ser qualquer coisa! Carne, peixe, sobremesas, mexilhões, condeguim, pode ser magret de pato, o que quiserem! Felizmente a minha mãe ensinou-me bem e depois, lá está, eu como tenho uma vida de estudo, eu gosto muito de avançar e como sou muito autodidata avanço muito sozinha. Tirei dois cursos, é verdade, mas tudo o resto eu fui aprendendo, fazendo, estudando, procurando e aprendendo, errando, fazendo melhor, para depois apresentar os resultados, os bons resultados a quem me segue do outro lado. Portanto, só quem está disposto a ter trabalho e a perder tempo ou a ganhar tempo com o estudo, é que pode avançar. E a cozinha não é diferente de outras áreas, é exatamente igual. Por isso é que hoje sou muito melhor cozinheira do que era quando tinha 9 anos. Evolui muito!
Transmitiu esse amor pela cozinha aos seus filhos?
Ah sim! A minha filha adora cozinhar e o meu filho é chefe.
Sente orgulho quando um dos seus pratos está refletido na ementa do seu filho?
Não, não, mas ele não é chefe no restaurante dele. É cozinheiro, quem diria! Não era a área que ele tinha escolhido, mas foi aquilo que ele de repente começou a gostar. Fico pasmada, fico espantada, fico desejante de repetir as criações dele que são maravilhosas. Mas não está cá, está em Inglaterra… Quem diria! Mas ele não faz as minhas coisas, mas falamos muito tempo ao telefone sobre receitas, sim! Vou-lhe dando imensos in puts, ele vai me dando os dele, eu vou-lhe dando os meus e é assim, nesta comunicação, engraçada...

Para além dos livros tem também um blogue que também é sobre bricolage
Tenho o site.
E um canal do youtube...
Tenho muita coisa (risos)
Tanta coisa! Por isso é que vocês veem como eu durmo pouco, estas olheiras é porque de facto isso ocupa-me muito. A partir do momento em que eu saio daqui dedico-me quase exclusivamente a isso. O que vale é que cada vez estou mais rotinada, cada vez faço tudo mais depressa, cada vez monto os vídeos mais depressa, faço upload, faço a tradução para inglês, faço os textos, cada vez faço isso mais depressa. Depois entrego à Oxy, que é quem me faz a gestão do site, só para publicar nas redes, o resto faço tudo eu. Mas sim, eu acho que não faria sentido ser de outra maneira, se fosse uma coisa impessoal. Ainda por cima, se há esta ligação das pessoas comigo, obviamente que faz muito mais sentido, mesmo noutro registo, estar a falar com elas, porque é com elas que eu quero falar e elas querem-me ouvir. Eu hoje tenho a certeza absoluta que as pessoas não confundem, sabem exatamente quando a Clara está num registo de noticiário e quando a Clara está descontraída em casa, porque também eu as ajudei a perceber isso.
Tenho também, a partir de amanhã (11 de dezembro), um novo projeto, que abre amanhã, que é uma loja, com dois produtos feitos por mim. Tenho o Youtube, tenho o Pinterest, tenho o instagram e tenho o facebook e acho que não tenho mais nada porque já é muita coisa (risos).
Porquê criar um blog e um canal do youtube e não, por exemplo, propor à direção da SIC a criação de um programa?
Porque é uma coisa muito simples, isso! Porque isso não faria sentido para mim!
Porque isso sim, faz confusão. Então faria sentido a principal pivot do noticiário do canal, estar no mesmo canal depois na cozinha? Isso em televisão não acontece! Em televisão eu só faço uma coisa. Em televisão faço jornalismo, sou pivot do jornal da noite. No dia em que eu deixar o jornalismo e o jornal da noite, essa hipótese ainda se colocar. Agora, eu não tenho um canal do Youtube como uma televisão, tenho vídeos de algumas receitas. Portanto aí eu acho que a confusão não se instala. Se fosse em televisão eu acho que sim, que se instalava (a confusão), mas neste momento as coisas estão muito claras. Claras (mãos a apontar para ela) (risos).
Recuando um bocadinho na nossa conversa, disse há pouco que um jornalista não é, por usar outro tipo de roupa ou participar noutro tipo de atividades, que perde a sua credibilidade.
Nós em Portugal ainda temos alguns caretas, somos muito do parecer! Porque um jornalista não se dá a isto, não se dá àquilo. Eu acho que, acima de tudo, as pessoas normais entendem que o jornalista não tem de ser sempre aquela pessoa toda muito direitinha, toda muito formal. Pode também, de vez em quando, brincar um bocadinho, participar em alguns programas, como eu participei. Eu participei nesses programas e não senti qualquer tipo de penalização por parte dos telespectadores em relação a isso, antes pelo contrário. Acho que as pessoas não estavam à espera e isso ajuda muitas vezes a desconstruir a imagem que as pessoas também têm de nós enquanto jornalistas. Como quando participei naquele programa, com o Manzarra, o “LIPSYNC”. Eu não fiz nenhuma palhaçada, vesti-me como a Madonna, mas também não andei a fazer palhaçadas, não andei a fazer como alguns atores que podem expandir-se um bocadinho mais. Agora uma coisa é certa, sempre que querem estas coisas, vêm sempre ter comigo, não vão ter com o Rodrigo (risos).
Foi bom ser Madonna por momentos? (risos)
Foi giro, foi giro. Não é que eu seja grande fã, mas foi giro!
O que é que diferencia a Clara de Sousa jornalista da Clara de Sousa mãe e dona de casa?
Não há assim grandes diferenças...
Os meus traços de personalidade mantêm-se… Não, talvez haja aí uma diferençazinha. Eu com os meus filhos sou um bocadinho mais condescendente. Não sou, às vezes, tão pragmática como poderia ser e isso é porque eu também quando tinha a idade deles não gostava muito que me dessem assim grandes ordens e então tento não cometer com eles aquilo que eu não gostava quando tinha a idade deles. Mas não há assim muitas diferenças. Eu em casa sou a mesma pessoa que sou aqui, na redação, que estou aqui agora. Depois, quando me visto para o noticiário, obviamente tenho que me pôr direita e tenho que encarar a câmara de outra maneira e tenho que falar para as pessoas de outra maneira, tenho que projetar a voz. Mas não há grandes diferenças entre a Clara. Na relação com os filhos sim, sou um bocadinho mais mole, sou um bocadinho mais condescendente. Eu acho que tento ser uma mãe relativamente equilibrada.
Olha para trás e gosta de ver todas as experiências e o seu percurso?
Gosto! Gosto! Não há assim nada que eu diga “olha ali poderia ter sido uma coisa radicalmente diferente”, podia ter sido diferente, mas radicalmente diferente não estou a ver. Aliás quando eu olho para trás acho que isto não podia ter sido de outra maneira.
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