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Paulo Jerónimo: "O jornalista não pode olhar para os outros como uma ameaça, mas como um desafio"

  • Foto do escritor: Enfoque
    Enfoque
  • 8 de dez. de 2019
  • 8 min de leitura

Atualizado: 11 de dez. de 2019

Paulo Jerónimo é jornalista na RTP desde 1992. Esteve à conversa com o Jornal Enfoque sobre a evolução/mudança que o jornalismo tem vindo a enfrentar ao longo dos anos.

Enfoque

Quais foram as principais mudanças que o jornalismo sofreu ao longo dos anos?

A evolução é tremenda. Nos últimos 30 anos nota-se essa evolução. Quanto mais não seja porque o público, hoje em dia, tem o escrutínio através das redes sociais e é por aí que está a procurar obter a informação. Mais do que propriamente, seguir o horário e respeitar aquela hora de ver o telejornal ou o jornal da tarde até ao fim religiosamente que acontecia há, mais ou menos, 10-20 anos. Hoje em dia, tudo mudou. Com os smartphones estamos constantemente a receber os alertas, o que faz com que o espectador se tenha adaptado relativamente a isso e largou aquele conceito de ver a televisão, religiosamente, à hora certa. Efetivamente, isto obrigou a que os jornalistas tivessem de se reposicionar, isto é, quando eu comecei, por exemplo, há 30 anos, notava-se que os colegas do jornal trabalhavam com um ritmo menos acelerado. Os colegas da rádio trabalhavam com mais pressão, porque era para o imediato, portanto, estávamos sempre ali em grande ebulição, em grande tentativa de termos a noticia o mais depressa possível no ar. E depois havia os colegas que faziam televisão, em que era com calma, porque era só para o fim da tarde, ainda que não era tão devagar como os dos jornais, que eram só para o dia a seguir. Hoje trabalhamos todos ao mesmo ritmo. Os dos jornais, com o aparecimento do online, querem ter a noticia o mais depressa possível disponível para o seu público.

As coisas evoluíram graças ao avanço tecnológico, e puseram-nos todos em pé de igualdade, cada um na sua plataforma, o que torna isto muito mais interessante e apelativo.



Considera que estas mudanças que têm ocorrido ao longo dos anos têm vindo a ser contínuas ou é algo mais recente?

Não, quem está nesta profissão há tanto tempo nota essa evolução contínua, gradual. Não considero que tenha havido um avanço, e depois uma estagnação, e depois outra vez um avanço. Não, vão surgindo coisas novas ciclicamente. Na verdade as coisas evoluíram sobretudo com a evolução tecnológica. Há muito poucos anos atrás, o simples teleponto que está presente em estúdio e que hoje é feito por um sistema informático de leitura, há muitos anos trás aquilo na verdade era feito com um rolo onde era tudo dictalafado à mão. Portanto, não havia máquinas, era uma máquina de escrever própria para aquilo. Eu preparava o pivot que depois entregava a uma dictografa que, por sua vez, transpunha para o rolo e ia para uma máquina que depois, manualmente, a senhora ia passando. Isto já era uma evolução naquela altura, hoje em dia isto já não existe. Hoje em dia, o jornalista está na redação a escrever o seu pivot, de acordo com o alinhamento informático, de acordo com uma ordenação das noticias, escreve o texto e, automaticamente, vai aparecer onde quer que ele esteja. Desde que abra a sua sessão informática, vai ter esse texto, esteja ele no Porto, em Lisboa, em Coimbra, no Algarve... E portanto isto é uma evolução.


Com esta evolução tecnológica considera que o próprio papel do jornalista também se foi moldando ao longo dos anos e foi-se adaptando?

Foi-se adaptando, mas mais do que adaptar, foi-se apercebendo dessa alteração. O jornalista não pode deixar de ser um jornalista, ser o curioso, o querer ir ao local, o querer perceber o acontecimento, o sabê-lo interpretar, o sabê-lo depois transpor para o seu público, seja na rádio, na televisão, ou para a imprensa escrita, e portanto, o jornalista tem é que aproveitar as ferramentas que a evolução tecnológica lhe disponibiliza para fazer isso acontecer.

Antigamente o famoso direto, implicava levar um carro satélite atrás, equipamentos, esticar cabos... Era muito confuso. Hoje em dia, um direto pode ser feito muito simplesmente com duas pessoas: o jornalista e o repórter de imagem, com o recurso a esses equipamentos tão simples que, desde que tenhamos acesso a dados móveis, em qualquer lado nós conseguimos fazer a transmissão. Portanto, lá está, a evolução tecnológica faz com que o jornalista também tenha de se adaptar. Hoje, por exemplo, o dia em que estamos a gravar esta nossa conversa, está a decorrer uma mega manifestação em Lisboa, da PSP. Naturalmente, todas as televisões estão lá em direto, há uns anos atrás isto não era possível, esta manifestação ia acontecer e só ia ser vista depois às 20h, quando fossem para o ar os noticiários. Porque é que isto já não é assim? Porque houve avanço tecnológico que o está a permitir. E vai ser ainda pior, porque com o 5G, a tecnologia que está para chegar, vai efetivamente, romper até com aquilo que nós estamos a assistir e vai permitir que o espectador, que está em casa, consiga escolher à vontade que tipo de notícias quer ver e as estações de televisão vão-se adaptar e vão passar a ter conteúdos para esse género. As pessoas vão ser editoras do próprio canal de notícias, porque vão escolher os conteúdos que querem ver e os que não querem. Basta introduzir ali três ou quatro parâmetros no telemóvel, numa plataforma que nos vai ser disponibilizada e as pessoas não vão ver nada daquilo que não querem ver, sempre que aparecer algo que não querem ouvir, vai passar à frente no alinhamento.

Isto vai ser engraçado, mas não sei se as pessoas estão preparadas por causa dos impactos que isto vai gerar, porque as pessoas vão começar a distanciar-se dos temas que não querem assistir, vão focar-se só em certos temas e vão deixar de perceber aquilo que se passa no mundo. Isto pode ser grave, porque vamos perder aqui um pouco a nossa orientação e vamos começar a ficar balizados, vamos colocar palas na nossa mente e isso pode ser muito complicado. Eu não sei até que ponto as pessoas vão estar preparadas. E não estamos a falar de algo que vai aparecer daqui a 20 anos, não, eu acho que se calhar daqui a 2 anos isto já vai estar a acontecer.

Enfoque

E este avanço da tecnologia e o aparecimento e difusão da Internet, traz facilidades ao papel do jornalista, mas também traz desafios?

Traz desafios e traz um gigante, que é nós percebermos quando determinada notícia é ou não uma fake news. Como é que ele vai perceber? Contactando as fontes, mantendo o espírito que esteve sempre nos princípios básicos do jornalismo: confirmar as notícias, procurar e preservar as fontes, mostrar a realidade, não distorcer, não opinar, fazer esse processo simples, básico que é da função do jornalista, apesar de estar a lidar com o avanço das novas tecnologias e da Internet.

Nós somos jornalistas sempre, nós não podemos ser jornalistas das 9h às 17h, temos de estar sempre atentos a tudo o que nos acontece, a tudo o que está à nossa volta.


Devido a essa problema das fake news e agora que qualquer pessoa pode publicar notícias, será que o papel do jornalista está a decair e a ganhar uma má imagem na nossa sociedade?

Não acho que está a ganhar uma má imagem, acho que está a ser ameaçado. Primeiro, porque as pessoas pensam que ao colocar numa rede social uma notícia já são jornalistas. Não, não são jornalistas, quanto muito são aspirantes que estão lá muito perdidos no tempo e nos conceitos e, por isso, nunca na vida poderão ser considerados jornalistas. Um jornalista é aquele que, na verdade, percebe e interpreta e que se sabe que tem um código deontológico que tem de continuar a cumprir, independentemente da evolução tecnológica. Há regras básicas que têm de ser cumpridas, essas regras são os pilares. Nós quando construímos uma casa, não vamos começar pelo telhado, porque o que está para baixo não existe. E se não existe, não acontece, então também não há telhado, nós temos que ter os pilares para a casa e só depois o telhado. No jornalista é a mesma coisa, portanto, o que está a acontecer é que, efetivamente, as redes sociais, vieram permitir muita coisa, mas, no fundo, estão a ameaçar o papel do jornalista. Uma má notícia pode levar alguém a pôr termo à vida e, portanto, as pessoas têm de ter a noção daquilo que fazem. Muitas vezes vão para as redes sociais denegrir, provocar, tentar pôr o pé noutra pessoa, dizer mal...e isso pode ter consequências impensáveis. Há quem apele depois à liberdade de imprensa, dizendo que a liberdade de imprensa permite tudo ou a liberdade de expressão permite dizer tudo, mas não o pode fazer de qualquer maneira, tem de perceber as consequências que pode ter.

O jornalista está ameaçado, mas mais do que se sentir ameaçado, o jornalista tem de se defender e ,portanto, não pode olhar para os outros como uma ameaça, mas como um desafio.


Como qualquer pessoa agora pode produzir conteúdo e publicá-lo na Internet, mesmo que seja falso, considera que também pode haver um pouco de falta de sentido crítico da sociedade para conseguir explorar e perceber o que é ou não falso? Porque na verdade muita gente acredita naquilo que lê e não questiona, não tenta procurar outras informações...

Pois, as pessoas quando estão a ver um conteúdo têm de perceber se o estão a ver num sitio credível ou se estão a ver num tal desses blogs que existem e que são geradores de fake news. O que é que acontece? Nós temos que levar, no meu caso a televisão, a que o espectador se identifique e perceba isto. Não vai ser um trabalho fácil, não, mas também não vai ser um caminho impossível.

Enfoque

Já se ouve muito dizer que, com o aparecimento da Internet, daqui a uns anos a televisão, a rádio e os jornais, vão deixar de existir. Será que vamos chegar a isso?

Eu não acredito que não existam, não vão é existir da maneira que a vemos hoje, isso é garantido. Mas também quando começou por surgir a rádio, dizia-se que com este aparecimento os jornais iam desaparecer... Os jornais ainda aí estão, também evoluíram, também caíram, também estagnaram, mas estão aí com as plataformas digitais. O mesmo aconteceu com a televisão que, quando apareceu, dizia-se que ia “matar” a rádio, a rádio nunca se ouviu tanto como hoje em dia, porque as pessoas vão no carro, vão nos transportes públicos, estão no café, numa loja, e há sempre um som, que vem de um rádio. Agora, na verdade, estas circunstâncias da evolução tecnológica e de tudo isto que está a surgir, vão fazer com que tudo se transforme e as coisas não vão ser como as conhecemos agora e não vão ser como as conhecemos há dez anos atrás. Muitas pessoas dizem que já não têm televisão em casa. Não têm televisão, mas veem os conteúdos num portátil, ou vão à procura de plataformas, como os sites. Não veem na famosa caixinha que mudou o mundo, mas veem noutra caixinha que está a mudar o mundo.


Considera que um dos problemas do jornalismo também poderá ser o facto de não haver tanto investimento em jornalismo de investigação, mas em tratar assuntos da agenda mediática?

Eu acho que hoje em dia estamos novamente a dar muita atenção ao jornalismo de investigação. Houve uma fase, em Portugal, que havia jornalismo de investigação, quer na imprensa escrita, quer mesmo em televisão, depois estagnou. Foi um formato que foi posto para canto, esse modelo perdeu efetivamente o impacto. Depois as coisas mudaram, hoje em dia temos jornalismo de investigação, a RTP é dos principais promotores disso com alguns programas como o “Sexta às nove”, mas também programas como o “Linha da Frente”. Não acho que a agenda mediática se esteja a sobrepor, acho é que cada um tem o seu tempo e o seu espaço próprios, e acho que nós na RTP estamos a fazer isso muito bem.


O jornalismo poderá acabar?

Não, o jornalismo nunca vai acabar, não, não vai. Não é à toa que, por vezes, se diz que é o terceiro ou quarto poder, não é por uma questão de poder, é pela necessidade que as pessoas têm de saber o que aconteceu. É uma das formas básicas de termos acesso à nossa própria liberdade, de percebermos se a nossa democracia está a funcionar. Por isso, é que a imprensa evoluiu durante estes anos todos, o papel que teve ao longos dos anos foi-se alterando: antes com a Monarquia, depois com a República, a evolução dentro da República, o chegarmos ao ponto de termos a censura da forma como tivemos e depois toda a evolução que se deu com o 25 de abril, a abertura que teve e que fez com que as pessoas se sentissem logo de maneira diferente. Isto faz com que as pessoas percebam a importância do jornalismo.

Atrevo-me mesmo a dizer que não é uma das profissões em risco de extinção, tem riscos sim, mas são os riscos de adaptação e transformação para acompanhar os tempos, mas de extinção não.





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